A síndrome do
filho do caseiro
Por Sandro Peixoto
A
primeira vez que percebi esse sintoma ainda residia na cidade de Ilhabela, em São Paulo.
Vindo de Recife, tomei um susto com a discrepância entre a renda dos filhos dos
turistas e a dos nativos, e que mesmo assim, curtiam a vida como se fossem da
mesma classe social. Todo final de semana era a mesma coisa: a Ilha recebia
milhares de riquinhos que se misturavam com os caiçaras - que é como são
chamados os moradores do litoral naquela região.
O
encontro era bom para as duas "tribos". Os nativos conheciam praias, trilhas
e cachoeiras. Além do mais eram amigos, irmãos ou primos das meninas da cidade que se derretiam para os
visitantes. Em troca, os filhinhos de papai geralmente pagavam tudo. Davam carona,
compravam bebidas, drogas e organizavam as festas.
Eis
que chega domingo à tarde e a separação se faz necessária. Os meninos da
capital partem com seus pais para a rotina da metrópole. Na segunda tem escola,
faculdade e trabalho pesado para poder pagar as contas dos finais de semana
naquele paraíso chamado Ilhabela.
E
os nativos?
Ah!
Esses ficavam perdidos entre a realidade da segunda e a ilusão passageira das
sextas, sábados e domingos. Duros e sem trabalho. Contando os dias para mais um
fim de semana. Claro que essa não era a realidade de todos. Muita boa trabalhava para manter
suas necessidades.Mas a verdade é que grande parte ficava anestesiada,
esperando mais um fim de semana para poder brincar de ser rico.
Búzios,
aldeia de pescadores que se transformou numa cidade internacional também sofre
com as duas realidades. Essa doença tem até nome. Síndrome do filho do caseiro.
O
sujeito não entende como aquele grã fino possa se divertir tanto, ter tantas
mulheres bonitas, carros, lanchas, dinheiro e não trabalhar.Ele acha que o cara
não trabalha!
Fica
imaginando levar vida igual. Sempre se divertindo, sem fazer força, sem bater
cartão.
Se
na Ilhabela muitos se desviaram e partiram para o mundo do crime, em Búzios, a
solução encontrada foi outra: arrumar uma boquinha na prefeitura. A emancipação da cidade
caiu como uma luva. Gente que nunca trabalhou, que nunca chegou perto de 500
reais passou a ganhar mil, dois mil reais por mês, sem falta.
Foi
como chegar ao paraíso. Morar em Búzios e ainda ganhar sem trabalho uma boa
grana todo mês. Como diria um amigo, é até covardia.
Mas
a síndrome cobra um preço. Afinal como se trata de uma doença, tem lá seus
efeitos.
Quando
perde a boquinha o cara não sabe fazer mais nada. Fica viciado em cargo
público.
Passa
a ser ‘oposição’ de mentira. Grita, finge ser a favor da cidade quando na
verdade está apenas de olho no remédio salvador que caia todo mês em sua conta.
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